domingo, 5 de julho de 2009

Um breve estudo sobre o Artigo 940 do Código Civil

ACTIO PLUS PETITIONIBUS - A ação de repetição –

Um breve estudo sobre o Artigo 940 do Código Civil

CLÁUDIO SINOÉ ARDENGHY DOS SANTOS

Advogado

Mestre em Processo Civil pela PUCRS

Membro da Academia Brasileira de Direito Processual Civil

Membro do CDAP da OAB/RS

O Código Civil diz em seu artigo 940:

Art. 940. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição.

Explica MARIA HELENA DINIZ em seu Código Civil Anotado:

“O artigo 940 do Código Civil estabelece uma sanção civil de direito material ou substantivo, e não de direito formal ou adjetivo, contra demandantes abusivos, como a dos arts 16 a 18 do Código de Processo Civil.
(...)
Essa responsabilidade civil constitui uma sanção civil, por decorrer de infração de norma de direito privado, cujo objetivo é o interesse do particular e, em sua natureza, é compensatória, por abranger reparação de dano, sendo uma forma de liquidação do prejuízo decorrente de cobrança indevida. Por isso tem dupla função: garantir o direito do lesado à segurança, protegendo-o contra exigências descabidas, e servir de meio de reparar o dano, exonerando o lesado do ônus de provar a ocorrência da lesão.
(...)
Logo não há de falar em absorção do art 940 do Código Civil pelos arts 16 a 18 do Código de Processo Civil. Há uma relação de complementação entre esses artigos, pois eles não se excluem, mas se completam”. [1]

A norma supra do artigo 940 do CCB é otimizada pelo princípio basilar em Direito e convivência social: “NEMINEM LAEDERE”, NÃO LESAR, NÃO PREJUDICAR. Pois todo ato ilícito, e, o abuso de demanda é espécie desse gênero, tem um obligatio (teoria dualista – infere-se que para haver uma obrigação deve existir um antecedente que lhe dê substrato (crédito/obrigação).

Visto isso, podemos trazer o enunciado da Súmula 159 do Supremo Tribunal Federal:

159 - Cobrança excessiva, mas de boa fé, não dá lugar às sanções do art. 1.531 do Código Civil.

Sendo assente que a prova da má-fé fica ao encargo do autor. Contudo o que vem a ser má-fé?

DE PLÁCIDO E SILVA assim definia a má-fé:

“A má-fé é o conhecimento do mal, que se encerra no ato executado, ou do vício contido na coisa, que se quer mostrar como perfeita, sabendo-se que não o é.
A má-fé, assim, é revelada pela ciência do mal, certeza do engano ou do vício, contido no ato conduzido pela coisa.
Assim, se pelas circunstâncias, que cercam o fato ou a coisa, se verifica que a pessoa tinha conhecimento do mal, estava ciente do engano ou da fraude, contido no ato, e, mesmo assim, praticou o ato ou recebeu a coisa, agiu de má-fé, o que importa dizer que agiu com fraude ou dolo” . [2]

A má-fé aqui é arraigada pelo abuso de direito, expressão esta levantada pelo civilista belga LAURENT (como diz Menezes Cordeiro, Da Boa-fé no direito civil, 2º vol, Coimbra:Ed. Almedina, 1984, p.670), cabendo a MARCEL PLANIOL melhor defini-la “le droit cesse où l´abus commence”[3], o direito cessa onde o abuso começa. Ou seja, onde não há mais direito, começa o abuso, desnecessária a definição ilicitude (apontando PEDRO BAPTISTA MARTINS que na esteira de LEVY demonstra que na ausência de um direito estar-se-ia violando o direito de outrem[4]), eis que presente a má-fé. Entretanto, concluímos, nesse círculo hermenêutico, que o abuso de direito, no instante que fere o direito de outrem, é um ato ilícito, pois além de invadir ou que não devia, trouxe prejuízo[5] por dolo ou culpa[6], o qual é movido pela má-fé[7]. Enfim, a má-fé implica dolo, sobre o qual o ato ilícito é gênero e a litigância nesses moldes apresenta-se como abuso de direito [8].

FERNANDO NORONHA, em brilhante passagem, agrega: “Que sem dúvida, há abuso de direito quando, como dizia Ripert, o ato é praticado com intenção dolosa, com espírito de maleficência, com o proposito de chicana, ninguém duvida (...)” [9] Para arrematar, HÉLIO TORNAGHI lembra que “Todo mal é resultado da deficiência de uma perfeição. Neste sentido é certo dizer com os filósofos que o mal não tem causa eficiente, mas deficiente (Malum habet casuam non efficientem, sed deficientem)”. [10] Continua com sua percuciência: “A boa-fé é a honestidade interior, o propósito de acertar, de não se enganar nem enganar os outros, é o contrário da malícia, da velhacaria”. [11]

Antigamente a lesão enormíssima equiparava-se ao dolo (dolo equiparatur) apesar de hoje em dia o direito civil afastar a presunção de dolo [12], a lição pode valer quando a prestação passa muito além da real e os danos à parte podem ser imensurárveis, eis que na doutrina mais moderna podemos utilizar a figura do superendividamento por condição impossível auferida no contrato e sua falta clareza pela superioridade de uma das partes, conduzindo à pessoa ficar sem o mínimo vital em sua execução[13].

Trago dois precedentes para ilustrar um caso de má-fé.

A 14a Câmara Cível do TJRS na Apelação Cível 70010098804 , da relatoria do E. Desembargador VICENTE BARRÔCO DE VASCONCELLOS, assim entendeu em seu voto:

“No que tange à irresignação pela condenação nas penas de litigância de má-fé, alegando que o que ocorreu, em verdade, foi um mero equívoco na elaboração da planilha de cálculo, devido ao fato de não ter sido retirado o valor referente à amortização realizada, tenho que igualmente não merece prosperar o apelo, pois o comando sentencial exeqüendo foi definitivamente claro ao fixar o montante a que estavam condenados os autores, ora apelados, a pagar, não se justificando a inicial da execução vir acompanhada de cálculo no qual está cobrando mais de três vezes além do valor fixado no título executivo judicial, de sorte que laborou com acerto a sentença vergastada ao aplicar as sanções previstas no art. 940 do atual Código Civil e 1531 do Código vigente à época do ajuizamento da execução, devendo ser devolvida a quantia cobrada em excesso em dobro, corrigida monetariamente pelo IGP-M até a data do efetivo pagamento.” pp.3-4 (grifei)

O STJ também já se pronunciou sobre o tema:

“(...) A pretensão de devolução dos valores pagos a maior, em virtude do expurgo de parcelas judicialmente declaradas ilegais, é cabível em virtude do princípio que veda o enriquecimento sem causa, prescindindo de discussão a respeito de erro no pagamento”. (REsp. 200.267/RS, 4ª Turma, acórdão de 03/10/2.000, Relator o Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira).(grifei)

Alerto que a ação de repetição deve ser ajuizada em apartado dos Embargos do devedor, em caso de execução exacerbada[14], nestes é viável requerer as penalidades dos artigos 16 a 18 do CPC. Conquanto, vem surgindo corrente jurisprudencial no sentido de que os embargos à execução têm um conhecimento limitado como ação de cunho constitutivo negativo[15]:

“Quanto ao pedido de indenização com base no art. 1531 do anterior Código Civil (art. 940 do atual), que trata do excesso de pedido re plus petitur, ou seja, “aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas, ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado, e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se, por lhe estar prescrito o direito, decair da ação”, cumpre ressaltar os seus requisitos, definidos por WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO in “Curso de Direito Civil”, 5o volume, 33a edição, Editora Saraiva, São Paulo, 2001, p. 420, nos seguintes, abaixo grifados:
a) “sem prova de má-fé da parte do credor, que faz a cobrança excessiva, não se comina referida penalidade. A pena é tão grande e tão desproporcionada que só mesmo diante de prova inconcussa e irrefragável de dolo deve ela ser aplicada”. É de se lembrar, outrossim, que os embargos foram julgados parcialmente procedentes pela revelia do embargado, portanto há presunção somente relativa das alegações do embargante;
b) “a cominação tanto pode ser pedida por via reconvencional, como por ação autônoma, não por simples contestação”. “[16]

Então, por prudência, necessária ação autônoma requerendo as penalidades do artigo 940 do CCB, sem prejuízo dos artigos 16 a 18 do CPC nos próprios embargos à execução.

Nessas breves linhas, sempre com o fito de artigos breves é que faço tais considerações abertas a críticas salutares.


[1] DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado, São Paulo: Editora Saraiva, 2003. p.552.

[2] SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico, tomo III, Rio de Janeiro: Editora Forense, 1995, p.122.

[3] PLANIOL, Marcel. Traité élémentaire de droit civil, t.2, Paris, LGDJ, 1926, p.298.

[4] MARTIN, Pedro Baptista. O abuso de direito e o ato ilícito, 2a ed., Rio de Janeiro: Editora Freitas Bastos, 1941, pp.48-50

[5] LIMA, Hermes. Introdução à ciência do direito, 14a ed., Rio de Janeiro: Editora Freitas Bastos, 1964, p.99

[6] LOPES, Miguel Maria de. Curso de direito civil, volume I, 7a ed. revista e atualizada, Rio de Janeiro: Editora Freitas Bastos, 1989, p.489

[7] GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil, 11a ed. atualizada por Humberto Theodoro Júnior, Rio de Janeiro: Editora Forense,1995 p.422

[8] AZEVEDO, Álvaro Villaça. Código civil comentado, tomo II, São Paulo: Ed. Atlas, 2003, p.364

[9] NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais (autonomia priva, boa-fé, justiça contratual), São Paulo: Editora Saraiva, 1994, p.170.

[10] TORNAGHI, Hélio. Comentário ao código de processo civil, 2a edição, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1976, p.2.

[11] TORNAGHI, Hélio. Comentário ao código de processo civil, 2a edição, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1976, p.145.

[12]DANTAS, San Tiago. Programa de direito civil, parte geral, 3a tiragem, Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1979, pp.288-289

[13] Imprescindível a obra de COSTA, Geraldo de Faria Martins da, Superendividamento – a proteção do consumidor em direito comparado brasileiro e francês, São Paulo: Editora RT, 2002.

[14] Vide SANTOS, Cláudio Sinoé Ardenghy dos. Liquidação de sentença por cálculo, AJURIS, nº 90, p.85.

[15] APELAÇÃO CÍVEL Nº 70003723400, DÉCIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: EDUARDO UHLEIN, JULGADO EM 16/04/2002

[16] APELAÇÃO CÍVEL Nº 70008812059, DÉCIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: ELAINE HARZHEIM MACEDO, JULGADO EM 08/06/2004.
Tex.pro - Páginas de Direito
Comentários dos visitantes

De: jamil rossetto schelela

Seu artigo é de grande valia, merece nossos aplausos, cuja lição só dignifica o profissional do Direito, mas, lamento, apenas que os Nobres Magistrados, tenham visão oblíqua ao disposto na letra da lei substantiva civil, o que é lamentável

Em 06.07.05

De: maria suely do carmo vilas boas

Seu artigo foi de grande valia, estava necessitando neste momento do assunto para obter subsidio para uma defesa.

Valeu,

Grata

Em 21.08.05

De: Luiz Alberto Xavier

muito bom este artigo me ajudou muito no que eu precisava caso tenham mais favor enviar para mim.

Em 06.09.05

De: Patrícia Gomes Iwersen

Gostaria de saber porque em ações de indenização por dano moral, este art., o 940 geralmente não é utilizado.

Atenciosamente, Patrícia

Em 28.08.06

Esta matéria está contida no site seguinte:

http://www.tex.pro.br/wwwroot/02de2005/actio_plus_petitionibus_claudio.htm

sábado, 4 de julho de 2009

Artigo 940 do novo Código Civil

Jornalista Externo

O artigo 940 do novo Código Civil Brasileiro, correspondente ao antigo artigo 1531, diz o seguinte: "art. 940) Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição."

É constante vislumbrarmos no meio forense a prática da cobrança de valores irreais e absolutamente ilegais por parte dos "credores" para com os seus respectivos "devedores", fato este, perfeitamente discutível em juízo. Trato aqui como credor e devedor por uma questão didática, pois toda vez que o código vem tratar uma parte ou outra como tais, está deliberadamente, impondo condutas, as quais ainda não foram levadas a julgamento, sendo, portanto, errônea tal nomenclatura.

Não obstante, todo sujeito, seja pessoa natural ou jurídica, que toma um empréstimo tem a obrigação de pagar o capital mais a correção monetária e os juros legais praticados, bem como discutir em juízo os valores que entende injustos. Todavia, jamais poderá ser compelido em juízo a pagar por aquilo que já pagou, no todo ou em parte.

E, infelizmente, tal regra, apesar de explícita, é pouco aplicada no seio forense, sob o argumento de que deve ser comprovada a má-fé na prática do ato.

Na verdade, o credor sabe quanto recebeu e se está a cobrar um valor irreal e injusto, uma vez provado este pagamento pelo devedor, a má-fé, por conseqüência, também restará provada. É patente, óbvia !

Ora, ora! O credor deveria ingressar com determinada ação de cobrança, monitória ou execução, e, obrigatoriamente, descrever pormenorizadamente quanto recebeu, para justamente se fixar o valor da causa, que deve ser certo e determinado, bem como atender ao requisito da liquidez, se for o caso, esclarecendo ao magistrado os aspectos fáticos da causa, em obediência ao artigo 282 do Código de Processo Civil.

Entretanto, muitas vezes não o faz, bastando ao réu ou executado, provar a matéria extintiva, impeditiva ou modificativa de seu direito em sua defesa, o que vem a acarretar, de imediato, a aplicação do artigo mencionado.

Vejam que, uma vez nada esclarecido na inicial pelo autor da ação e provado documentalmente que houve a cobrança excessiva, em virtude de já ter ocorrido o pagamento parcial ou total, configurada está a má-fé, mesmo que tal ilação vá de encontro à Súmula n.º 159 do STF. É fato objetivo e não subjetivo.

Nesse contexto, não tenho dúvida que os magistrados deveriam tomar de assalto o artigo 940 do Código Civil Brasileiro, quando provada a simples cobrança excessiva, pois quem cobra excessivamente de alguém, não está agindo de boa-fé, pois altera a verdade dos fatos e, por sua vez, também incidem na regra dos artigos 16, e 17, II do Código de Processo Civil.

Ederson Ribas Basso e Silva é advogado na cidade de Umuarama-PR.


Esta matéria está publicada no seguinte site:

http://www.parana-online.com.br/canal/direito-e-justica/news/38718/